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A Roupa Nova Do Capitalismo
Sebastião Buck Tocalino, 22 de agosto de 2019

Permito-me alguma descontração frente aos atuais dilemas econômicos. Só uma purga irreverente dessa realidade inquietante. Qualquer um pleno de valor e convicto de sua essência estará longe de se sentir ofendido, rancoroso ou vulnerável diante de um fraseado buliçoso. A obsessão pela reverência não passa de um ônus da vaidade. E o melindre dos ofendidos são as fissuras de sua fragilidade.

Ao usar termos relacionados à fé, não pretendo ironizar a espiritualidade de ninguém. Qualquer picardia verbal é dirigida aos insólitos politiburos econômicos que se consolidam neste século XXI.

Aquele tal livre mercado do capitalismo vem sendo sistematicamente minado por um novo modelo de planejamento central. Esse processo deixa a economia global cada vez mais refém de uma ficção financeira insustentável. Os antigos regimes marxistas-leninistas já evidenciaram a incompetência dessa ideologia voluntariosa. Em menor grau, essa presunção sempre germinou, mesmo nas economias ocidentais mais dinâmicas. Era só mais discreta. Entretanto, assume agora maior ousadia e potencial danoso. Suas repercussões socioeconômicas poderão ameaçar a própria imagem do capitalismo!

O monetarismo é uma teoria econômica voltada para os meios de pagamento. Ele enfatiza uma política de emissão de moeda a fim de restaurar a estabilidade macroeconômica. Os monetaristas entendem que os objetivos econômicos são cumpridos de melhor forma ao criar metas para a expansão da oferta monetária. Ao contrário de políticas discricionárias, esta linha de pensamento ganhou enorme destaque nas políticas econômicas da última década. Tamanha criação de dinheiro foi ímpar na história.

Na prática, o resultado caricato dessa política pode ser ilustrado pelos gráficos e comentários que partilhei com alguns amigos mais próximos:


Em Setembro de 2008, quando o banco de investimento Lehman Brothers faliu, o endividamento total nos EUA já se aproximava dos 55 Trilhões de dólares. Com aquela terrível crise do subprime, oriunda de créditos de baixa qualidade e financiamentos abusivos, seria de se esperar que essa libertinagem se redimisse... Mas os bancos centrais destilaram uma água benta inusitada contra tal moléstia. Se sua genialidade terapêutica encontrasse esforços comparáveis na oncologia médica, por exemplo, certamente já teriam implementado um novo protocolo no combate ao câncer de pulmão... Imagine só: ambulatórios tratando essas neoplasias com generosas quantidades de cigarros mais baratos!

A ciência econômica se curva diante dos desígnios da fé! Só assim pode se explicar essa espiritual (ou espirituosa?) substância acadêmica da economia neoclássica e das teorias monetaristas! Graças ao planejamento central de ilustres pajés financeiros, aquele elevado nível de endividamento foi tratado com maior injeção de dinheiro e crédito. Tudo a preços de saldos de liquidação! Com juros irrisórios e ainda mais convidativos à alavancagem especulativa. Essa comunhão redentora de fé, engenhosidade econômica e volúpia financeira permitiu que, como um Lázaro ressuscitado, o passivo total do endividamento se reerguesse e seguisse às alturas. Sua ressurreição ascendeu aos US$ 72 TRILHÕES DE DÓLARES, isso até Dezembro de 2018. E os Bancos Centrais da Fé Monetarista continuam misericordiosos quanto à libertinagem especulativa. Sua hóstia segue distribuída aos clementes mercados financeiros, que elevam seus braços ao céu... Glória, Aleluia!

Pobres dos pecadores que, reticentes da fé, não se alavancaram na compra especulativa de ações subsidiadas... (Ou sequer aderiram à luxúria do tabagismo!)

O reino dos céus pertence aos que não abandonam a fé jamais! E o espirituoso banco central dos EUA se empenha na popularização dessa asserção redentora. Para multidões, que atualmente se curvam diante de smartphones, tão viciadas em mensagens curtas e rápidas, uma iniciativa monetarista semeada décadas atrás, após o ostracismo do padrão ouro da moeda, é de enorme conveniência! Ela resume toda a crença monoteísta das verbosas escrituras sagradas, capitalizando-a em prol de seu próprio marketing subliminar. Estampada na face verde da hóstia de celulose está o apelo à nossa fé em letras garrafais: "IN GOD WE TRUST" (em Deus nós confiamos).

Assim, as instituições do Banco Central e do Tesouro Nacional dos EUA recrutaram o próprio Criador Supremo para porta-estandarte da teoria e política monetarista. Associando seu produto a um prestígio muito superior ao da imagem de qualquer estrela de Hollywood ou atleta do momento! Deus é atemporal. Não sai de moda, é imbatível em popularidade e inspira uma confiança incondicional. (E dispensa cachês e participações financeiras, como já constataram muitos oradores bem sucedidos que se associaram ao Seu nome.)


"Em Deus nós confiamos!"

Eu, particularmente, acho que a partir de 2008, com tanta criação de dinheiro, já deveriam ter pensado até em expandir essa mensagem. Imaginei um verso bíblico, talvez polivalente e já se dirigindo ao próprio dinheiro, ao credito financeiro, à formação de jovens famílias (que no longo prazo poderiam reverter a contração demográfica tão desafiante para nossa economia movida a consumo) ou mesmo às bolhas especulativas... Algo como: "Crescei e multiplicai-vos!"

De fato, para a tranquilidade monetária, é imprescindível sermos crédulos. O lastro da moeda fiduciária é a própria fé nela! No caso dos EUA, seu poderio bélico representa uma garantia adicional, e bem menos questionável no ambiente internacional, já que a fé assume diferentes contextos em diferentes culturas e nações! Sem um voto majoritário de fidelidade (e o coercitivo poder do pentágono), a moeda fiduciária (e a principal moeda de reserva internacional para o comércio exterior) é essencialmente ectoplásmica e etérea. Seu valor tem a mesma substância da lendária roupa nova do imperador. Está apenas nos olhos de quem foi induzido a crer, aceitar e enxergar!


Plotada acima, a dívida do setor corporativo americano é testemunha desta fé monetarista! Essas beatas corporações e seus fiéis acionistas seguem ungidos por juros baixíssimos. A Congregação Central Da (Dí...) Vida Eterna é benevolente, mostrando-se disposta a oferecer a outra face. Mesmo que essa outra face seja a da maior parte da sociedade!

Deus é grande... E, com convicção, eu vos digo: "Só Jesus salva!"

AMÉM!

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