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Separando o Joio do Trigo
O mercado de ações e o mercado de títulos públicos nos EUA.

Sebastião Buck Tocalino,
19 de março de 2015

Assim como nossas mães nos ensinaram que açúcar espalhado ao chão atrai formigas e baratas, alguns de nossos pais também ensinaram que dinheiro fácil e crédito farto geram finanças irresponsáveis.

O intervencionismo dos bancos centrais, instituições essas lideradas por economistas predominantemente neoclássicos e keynesianos (assim como a maior parte do meio acadêmico), através de suas políticas anticíclicas, vem dando margem a uma série de distorções na economia.

A mais recente delas, sobre a qual escrevi algumas vezes antes de se tornar óbvia, foi no preço do petróleo. Em 30 de agosto de 2014, quando o barril do petróleo West Texas Intermediate era negociado a US$ 97,86 nos EUA e o Brent a US$ 101,12 na Europa, eu publiquei um artigo dedicado a essa commodity. Ali, eu reuni alguns dados do consumo de petróleo e combustíveis (bem como aspectos políticos, históricos e sócio-religiosos de nações produtoras) mostrando uma insalubre e nítida correlação entre as políticas econômicas anticíclicas do Federal Reserve e o preço do petróleo. Houve semelhanças entre a década de 1970 e este início do século XXI. Publicado sob o título "Manchas de Óleo na Fé e as Máculas da Fé no Óleo", sua edição em inglês também foi divulgada posteriormente em outros sites estrangeiros. Hoje, 19/mar/2015, os preços do petróleo já estão em US$ 45,52 (WTI) e US$ 54,44 (Brent), com respectivas perdas de -53% e -46%, em menos de sete meses.

A "mania" do petróleo teria se iniciado quando o FED adotou juros nominais menores que a inflação (juros reais negativos) após o estouro da bolha da informática (em 2000) e o ataque às torres gêmeas (de 11/set/2001). A especulação com a commodity atingiu seu ápice na antecipação de políticas anticíclicas ainda mais extraordinárias em socorro de outra malograda bolha, desta vez mais virulenta e sistêmica, envolvendo os imóveis nos EUA. No auge da crise do subprime, houve até uma efêmera desinflação da bolha do petróleo, que, contudo, durou pouco. A segunda fase maníaca, começando em 2009, logo após o anúncio do QE1, parecia associar alguns fenômenos, dentre eles: (1) a procura por outro destino tangível onde aplicar o dinheiro, (2) o receio de que um abusado afrouxamento monetário causasse um descontrole inflacionário e perdas no poder aquisitivo da moeda fiduciária e na rentabilidade real dos títulos públicos de renda fixa, além de que, (3) a reincidente disponibilidade de crédito farto e barato, graças aos juros irrisórios, diminuiu muito os custos da alavancagem financeira e fomentou uma maior ousadia entre os especuladores. Esse cenário beneficiou não só o petróleo, mas também os metais preciosos.

juros, imóveis e petróleo

Outro fato menos conhecido é que a bolha especulativa das ações de tecnologia e informática na NASDAQ, ao final do século XX, inflacionou os leilões de concessões da nova faixa 3G entre as operadoras de telefonia móvel na Europa. Empresas alemãs arrecadaram e ofereceram uma vasta quantidade de dinheiro através de lances feitos em envelopes selados. Nesses leilões, as empresas desconheciam o valor dos lances oferecidos pelas concorrentes. Evitando o risco de ficarem de fora da promissora tecnologia 3G, seus lances foram altos demais. A Alemanha teria mobilizado para isso cerca de US$ 50 Bilhões de dólares (£ 30 bilhões de libras esterlinas no início do ano 2000). Só em 2001 e 2002 é que o logro foi reconhecido. Esse episódio teria contribuído para uma baixa dos juros na união europeia naquele início do século XXI e da moeda única adotada em diferentes países. Os juros reduzidos acabaram por estimular o maior endividamento dos governos na periferia da Europa.

O crédito barato gerou comportamentos mais displicentes nessas economias. Seus excessos e a ressaca tardia se tornaram evidentes com a crise dos PIIGS (acrônimo em inglês para Portugal, Italy, Ireland, Greece e Spain em uma indelicada associação à palavra "porcos").

Agora, muitos dizem que existe outra temível bolha prestes a estourar: o mercado de títulos públicos dos EUA. A alegação é de que as compras do FED, com trilhões de dólares impressos, teriam inflacionado os preços desses títulos, baixando seus juros. A argumentação teórica faz sentido! Segundo dizem, a impressão de dinheiro (Quantitative Easing) estaria inflacionando tanto os preços das ações, como dos títulos da dívida norte-americana.

Eu já abordei separadamente essas duas classes de papéis, mas muita gente ainda não percebeu a importante diferença constatada na prática em ambos os casos.

Ações e títulos públicos não vêm respondendo da mesma forma aos estímulos do FED! (para entender melhor a relação entre QE e ações leia "Era Uma Vez... Um Conto Econômico da Carochinha", quanto à relação mais complexa entre QE e títulos públicos, eu abordei-a em "Juros, QE e FED - Conversa Para Boi Dormir" e "Dólar, Juros e Grandes Poderes").

Meu gráfico abaixo ilustra bem essa dissociação. Podemos ver uma comparação entre o S&P500, representando as ações nos EUA, e o fundo TLT (iShares 20+ Year Treasury Bond, ETF da BlackRock) que segue os preços dos títulos do Tesouro dos EUA com maturidade igual ou superior a 20 anos. O período ilustrado se inicia com o primeiro surto de impressão de dólares pelo FED (QE1) e termina seis anos depois, já finalizado o QE3.

S&P500 x TLT = ações x títulos longos da dívida dos EUA

O comportamento entre ações e Treasuries foi divergente, mostrando flagrantemente uma valorização das ações e uma desvalorização dos títulos públicos em todas as três edições de Quantitative Easing, exceto a partir do Tapering. Os títulos longos da dívida pública só engrenaram em tendências de alta nos intervalos entre QEs e, a partir de 2014, uma vez anunciada a extinção paulatina do QE3 (Tapering).

Depois do FOMC se reunir em dezembro de 2013, Ben Bernanke comunicou formalmente que o FED iniciaria uma desaceleração gradativa na sua impressão de dólares para a compra de títulos. O comunicado de Bernanke, já antes de passar o cargo a Janet Yellen, evitava dúvidas sobre a orientação de sua sucessora no Banco Central. O Tapering significava que o FED mais uma vez estaria tirando seu time (de impressoras) de campo. Embora lenta e gradualmente, as compras dos títulos se reduziram até cessar completamente ao fim de outubro de 2014. Foi só nesses últimos dez meses do QE3, com o FED comprando cada vez menos, é que os T-Bonds passaram a se valorizar.

Embora seja contraintuitiva a depreciação dos T-Bonds (títulos longos da dívida pública) justamente quando o FED os comprava em maior quantidade no mercado secundário, o fato é que ela aconteceu!

Se nos baseássemos apenas no bom senso teórico, e não na observação dos resultados práticos, poderíamos supor que, imprimindo dinheiro e comprando títulos longos da dívida pública no mercado secundário, o FED teria inflacionado os preços desses títulos. Mas essa lógica parece disposta a puxar o tapete sobre o qual vários investidores racionais se consideram "com os pés no chão"!

A tabela abaixo mostra o início e o fim das edições do Quantitative Easing (1, 2 e 3), juntamente com o comportamento da curva de juros (do curto ao longo prazo). Entenda que juros mais altos representam títulos mais baratos, e vice-versa! É notável que os juros longos, em vez de caírem, encontravam-se mais altos ao fim de cada QE. Essa alta dos juros longos é apenas outra maneira de constatarmos que os títulos públicos, de fato, ficavam mais baratos e atraentes, apesar das compras do FED.

QEs e juros curtos, médios e longos

Também vale a pena observarmos que a dívida longa dos EUA ainda se encontra bastante atraente no atual contexto da economia global. Se levarmos em consideração Portugal, Itália, Irlanda e Espanha (excluindo apenas a Grécia dos 5 PIIGS ), todos os quatro pagam hoje juros menores que o norte-americano. Mas, com certeza, essas economias oferecem maior risco do que os EUA...

juros de 10 anos dos títulos dos governos

Como podemos ver, paradoxalmente, o Banco Central imprimindo dólares e comprando divida longa, parece ter desaquecido a demanda destes papéis pelo mercado. O resultado foi T-Bonds mais baratos e juros mais altos ao final de cada QE. Tanto melhor! Se ações se tornaram cada vez mais caras e especulativas, a dívida pública (ludibriando as expectativas) se mostra ainda atraente diante de um cenário internacional bastante problemático.

Todos sabem que os EUA são as calças mais limpas no atual cesto de roupa suja da economia global. Assim, os Treasury Bonds, preservando a rentabilidade perante seus pares internacionais, continuam se mostrando o destino mais seguro para quem receia uma generalizada crise mundial. E isso deve dar boa margem para uma ainda mais persistente alta do dólar! Sem falar que aquela tão esperada elevação dos juros pelo FOMC deferá ficar adiada ainda indefinidamente!

 

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