Um Alerta Ao Brasil
Sebastião Buck Tocalino, 9 de outubro de 2014
A vida inteira ouvimos falar do crescimento da população. Intuitivamente, imaginamos logo que o motor desse
crescimento seja uma maior quantidade de filhos a cada nova geração. Esse já foi o caso, mas não é mais! O
grande propulsor da expansão populacional passou a ser
a queda na taxa de mortalidade. Ela vem caindo
abaixo da taxa de
natalidade. O resultado da margem aberta entre essas duas taxas,
por
enquanto, é observado como um aumento da população.
O esboço abaixo ajuda a explicar a relação dessas duas taxas em queda e o crescimento populacional na
maioria dos países industrializados:
O assunto é relevante para a sustentabilidade da economia conforme a conhecemos. O modelo econômico atual
vem mostrando fraquezas diante dessas mudanças de perfil. Primeiro no Japão, depois nos EUA. E partes da
Europa já vão seguindo no mesmo rumo. Para melhor compreender e avaliar nossas próprias perspectivas
demográficas e, consequentemente, econômicas, vale a pena ler Uma
Uma Simples Aritmética e
Sujeitos Ocultos e o Futuro... do
Pretérito.
Muita gente parece acreditar que os países emergentes tenham um melhor potencial de crescimento
populacional. Enganam-se. A taxa de reposição de uma população estaria em torno de 2,10 filhos por mulher.
Há anos que a média de filhos por mulher brasileira já segue abaixo disso. Os dados do Banco Mundial (de
2010) indicam uma taxa de fertilidade de apenas 1,687 filhos por mulher brasileira. Nossa taxa de
fertilidade já é menor que as de muitos países industrializados mais avançados. No mesmo ranking
disponibilizado pelo Banco Mundial, nós estamos perdendo para Israel, Nova Zelândia, EUA, França, Suécia,
Noruega, Reino Unido, Austrália, Finlândia e Dinamarca - para citar apenas alguns dos países mais avançados.
Dos quatro países que compõem o bloco BRIC, apenas a Índia ainda apresenta uma média de filhos por mulher
acima da taxa de reposição. China e Rússia estão piores do que nós! Nos casos do Brasil e da China, as
populações ainda aumentam só por conta da vida mais longa dos idosos. A Rússia tem problemas mais sérios.
Além de sua pior taxa de fertilidade, os homens russos têm uma expectativa de vida mais curta. Ao que
parece, o alcoolismo e outros problemas como drogas, AIDS e mesmo suicídios contribuem para uma maior taxa
de mortalidade masculina. O governo russo vem tentando impedir que sua população diminua por meio de prêmios
em dinheiro e benefícios aos trabalhadores que tenham mais filhos. Criaram até mesmo dias de folga
especialmente para que homens e mulheres fiquem em casa e "procriem"!
Na verdade, os países onde a natalidade segue alta estão quase todos na África e partes do Oriente Médio e
Ásia Central. Muitos deles são economias mais rústicas onde o índice de mortalidade também é maior.
Um dos problemas mais óbvios de uma contração da população jovem e uma vida mais longa dos idosos é que a
razão de cada aposentado pelo número de trabalhadores passa a aumentar de forma inédita. Com menos
trabalhadores jovens (contribuindo com parte de seus salários) e mais aposentados (recipientes dos
benefícios), a situação da segurança social tende a ficar cada vez mais difícil.
Eu volto a chamar a atenção aqui para um perigoso mal-entendido: muita gente pensa que está recolhendo
mensalmente parte de seu salário para resgatá-lo mais tarde na sua própria aposentadoria. O dinheiro que
recolhemos todo mês não fica a nossa espera e não voltará para nós mesmos! Na verdade, essa contribuição
paga por nós é a aposentadoria e a pensão das gerações mais velhas. Quem vai financiar a sua e a minha
aposentadoria são os trabalhadores mais jovens. Nossa própria aposentadoria dependerá é dessas próximas
gerações que já começaram a encolher.
Quando a contribuição foi calculada e instituída tal qual é hoje, os aposentados tinham uma sobrevida mais
curta e havia menos aposentados em relação ao número de trabalhadores jovens que crescia ano a ano. Agora os
aposentados vivem mais, recebendo o benefício da aposentadoria por muito mais tempo, sendo que o número de
trabalhadores jovens tende a diminuir. Com o avanço da longevidade, o pagamento das aposentadorias se
tornará mais prolongado e oneroso para todo o sistema. O percentual pago pelo trabalhador terá que aumentar,
ou terá que ser recolhido durante uma vida ativa mais longa, elevando assim a idade mínima para a
aposentadoria. Provavelmente, tanto a contribuição como a idade de aposentadoria serão modificadas para
cima. De outra forma, as contas não vão fechar! Infelizmente, essas decisões legislativas são impopulares
frente a um eleitorado predominantemente alienado e mal informado. É quase certo que essas mudanças na
previdência só acontecerão tarde demais, quando o modelo atual já estiver insolvente.
O sistema previdenciário, assim como muito mais coisas na economia do que gostaríamos de acreditar (ex:
crédito, sustentabilidade dos bancos, especulações imobiliárias, contas dos governos e até moedas
fiduciárias), funcionam de forma semelhante ao princípio das "correntes" ou "pirâmides financeiras" (essa
comparação pode parecer até um anarquismo de minha parte, mas quem procurar se informar melhor quanto aos
meandros e a "fisiologia" do sistema financeiro e da própria emissão inflacionária de dinheiro sem lastro
tangível poderá compreender melhor a associação). Esse modelo,
quando ilegal, também é conhecido
como
Ponzi. O nome vem do imigrante italiano Carlo "Charles" Ponzi que antes de ser
condenado por fraude, ficou milionário e tornou-se banqueiro nos EUA, captando cada vez mais investidores
pouco informados sobre seus negócios insustentáveis. Apesar da natureza fraudulenta, os esquemas bolados por
Ponzi traziam inicialmente grandes lucros e riqueza para seus investidores, especificamente aqueles que
faziam seus resgates antes das quebras. Os resgates eram pagos "com juros" usando o dinheiro novo que
entrava. Os "negócios" iam muito bem enquanto houvesse um maior ingresso de capital com maiores aportes de
investidores do que o fluxo de saída nos resgates, as coisas só azedavam se essa razão entrada/saída
deixasse de crescer (notou qualquer semelhança com o sistema previdenciário da segurança social, contábil
dos bancos e fiscal do governo?). Depois de deportado dos EUA de volta para a Itália, o incansável Ponzi
voltou a emigrar. Desta vez para o Brasil. O simpático otimista acabou sua vida morrendo pobre no Hospital
São Francisco de Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 15 de janeiro de 1949.
A demografia espalha seus efeitos em várias direções. Aposentadoria é apenas uma delas. Tem também saúde
pública e privada, dívida pública e privada, taxas de juros, crédito bancário, construção civil, demanda de
consumo, investimentos, empregos, comércio varejista, tecnologia, conflitos sociais, instabilidade política,
movimentos migratórios e mais. Tudo isso ainda pode gerar feedbacks, ou seja, repercutir no futuro da
própria demografia.
O fato de essa inflexão demográfica ser algo novo gera a incerteza de alguns e a negligência da maioria. Mas
podemos contar com alguns maus presságios... São dignos de atenção os casos do Japão na década de 1990 e dos
EUA ao final da década passada e início desta. Alguns países da Europa também já mostram sua
vulnerabilidade, enquanto outros deverão apresentar mais sintomas dentro de alguns anos. O Japão, que na
época era a segunda maior economia do mundo, ficou famoso ao final do século XX pela sua "década perdida".
Atualizando o termo, hoje já se contam quase duas décadas e meia de estagnação econômica, contração da
população ativa e contínuo combate à deflação. A história do Tio Sam é mais recente, mesmo assim já
representa seis anos (!!) de frenética impressão de dólares para conter a retração na participação da
população ativa (com mais aposentados e desempregados), a desaceleração econômica e a ameaça de deflação.
O quadro brasileiro já dá indícios de mudanças. Embora ainda possamos contar com algum bônus demográfico nos
próximos anos, é importante observarmos que os sinais já estão presentes para uma futura deterioração
econômica.
Os gráficos abaixo e à esquerda, representando os números da nossa população (e não a variação anual à
direita), foram traçados em escala logarítmica no eixo vertical. Essa escala permite que a taxa de evolução
seja mais bem representada. Por exemplo: a distância de 40 a 80 fica igual à de 80 a 160, uma vez que ambos
os intervalos mostram a população dobrando de tamanho. Dessa forma, o ângulo de inclinação da linha se torna
mais relevante.
Crianças alegram o mundo. Sendo os filhos uma grande fonte de alegria, sinto-me um tanto desconfortável ao
escrever sobre eles em termos de economia. Por outro lado, é justamente pela minha preocupação com eles que
sinto a necessidade de popularizar essa discussão insuficientemente abordada nos meios econômicos e
políticos.
Como eu falo muito dessa contração da população mais jovem, gostaria de explicar que não sugiro e nem
defendo qualquer aumento na taxa de fertilidade. Evidentemente, adiar o problema não seria um passo na
direção de resolvê-lo. O atraso só iria potencializar ainda mais seu poder de ruptura econômica e social
mais adiante. Se não bastassem todos os problemas de sustentabilidade ambiental, disponibilidade de recursos
naturais e infraestrutura para a já imensa população mundial, qualquer aumento na taxa de nascimentos só
viria a gerar reflexos ainda mais sérios e defasados na economia. A população do planeta não pode crescer
eternamente! Os recursos naturais são limitados. Inevitavelmente, uma hora teremos que encarar os fatos,
então é melhor que seja antes que esses recursos naturais se tornem mais escassos e o ecossistema mais
ameaçado.
A inflexão demográfica costuma gerar uma tendência deflacionária nos preços e na demanda de consumo, gerando
assim uma desaceleração ou mesmo recessão econômica. Uma maior quantidade de filhos por família de fato
aumenta a demanda de consumo, dinamizando a economia e lhe conferindo um viés inflacionário. Mas seria um
verdadeiro absurdo estimularmos uma maior natalidade com base em uma meta econômica imediatista e egoísta.
Seria justo livrarmos nossa própria geração dos abacaxis econômicos que nos espreitam, apenas para deixá-los
como uma herança maldita para outras gerações mais novas e inocentes?
Nos últimos anos, a população jovem de brasileiros entre 15 e 24 anos de idade já vem apresentando uma
tendência de contração. Se isso não bastasse, em 2013 essa tendência se acentuou ainda mais.
No que diz respeito à inovação, uma maior população jovem também costuma ser um grande estímulo. Um mundo
com mais jovens é um mundo mais susceptível a novas e revolucionárias tecnologias. O
Baby-boom
resultou em uma inovação surpreendente, com o desenvolvimento e a popularização dos computadores pessoais e
todas as suas aplicações. Mas, da forma que a educação pública, e talvez mesmo a familiar, vem se
deteriorando no Brasil, a maioria desses jovens estaria pouco preparada para garantir a si mesmos e ao país
uma vantagem econômica significativa. Principalmente se levarmos em conta que, na competitiva economia
global, outros países emergentes já saíram à nossa frente, focando de forma bem mais responsável a educação
formal de seus jovens. Sem a formação e as estruturas necessárias, o aumento da população jovem em um
cenário internacional com expectativas de prolongada estagnação econômica poderia até mesmo desencadear uma
aceleração do nosso já alto índice de criminalidade e delinquência.
Enquanto estudante, eu costumava acreditar que a criminalidade era predominantemente um reflexo do
desemprego. O Brasil mostrou que essa noção é um engano. O problema é cultural. Em vez de ser um reflexo da
economia, a criminalidade brasileira é resultado de nossas mazelas políticas e educacionais. Sem criarmos
uma melhor estrutura para a formação cívica e profissional de mais jovens, não podemos achar que mais
crianças seja o melhor caminho para a economia. O tiro sairia pela culatra. Apesar de o desemprego vir
caindo, a criminalidade segue aumentando. Caso o desemprego volte a subir, especialmente entre jovens, isso
só reforçará a tendência de alta da criminalidade.
No livro
Freakonomics, sem querer fazer qualquer apologia à causa, o economista Steven D. Levitt
relata que a enorme queda na criminalidade verificada nos anos 1990s, nos EUA, independentemente do efetivo
policial nas ruas ou de quaisquer outras medidas administrativas, era consequência de uma ação muito mais
fundamental e distante no tempo. Com uma defasagem de quase duas décadas, o que observavam era de forma
significativa o resultado de uma decisão judicial da Suprema Corte datada ainda em 22 de janeiro de 1973. A
legalização do aborto impediu que mais crianças nascessem desprovidas da estrutura familiar necessária para
sua melhor formação e adaptação à vida em sociedade. Nos EUA e naquela década de 1970, ainda havia uma
infraestrutura pública bem melhor do que a atual brasileira. Até mesmo o ensino público daqui era de melhor
qualidade naqueles tempos, com professores mais bem capacitados e escolas mais exigentes. O exemplo serve
apenas para mostrar que transformações demográficas, mesmo se muito importantes, costumam ter suas causas e
seus efeitos bastante afastados no tempo, de forma que muitas vezes passem despercebidos e não
identificados. Mais crianças sem o apoio social e educacional necessário é o caminho errado para o
desenvolvimento econômico do nosso país e poderá acarretar sequelas ainda maiores para o futuro.
Como vimos acima (nos gráficos traçados em cor laranja) a população entre 15 e 24 anos vem se contraindo
consistentemente nos últimos dez anos, mas de forma ainda maior no ano 2013. Se olharmos agora toda a
população ativa brasileira (acima dos 15 anos no gráfico verde abaixo) podemos notar que seu crescimento
vinha desacelerando nos últimos anos, mas ao fim de 2013 já deu um primeiro sinal de contração.
Diferentemente das contrações de jovens e da população ativa, expostas acima, o gráfico abaixo mostra que a
parcela da população com 65 anos ou mais vem aumentando desde 1984. E o crescimento dessa parcela de
aposentados e idosos vem se acelerando nos últimos anos.
Mas, e o bônus demográfico brasileiro? Como fica? Haverá alguma disposição política para investir o que
ainda nos resta dele para um país melhor e mais dinâmico no futuro? Ou nossos governantes continuarão
drenando a economia brasileira através da corrupção, da demagogia populista, do capitalismo de compadres e
do inchaço da máquina pública à custa do prejuízo do setor privado?
É importante observarmos
com bastante atenção que mesmo aqueles países mais desenvolvidos que o
Brasil (em educação, cultura, infraestrutura, indústria, tecnologia, comércio, instituições democráticas,
ética, saúde, transportes e justiça social) já estão se vendo frustrantemente encurralados diante dessas
poderosas transformações demográficas.
Infelizmente, os exemplos do Japão na década de 1980, dos EUA e da Europa no início deste século XXI
mostraram que, ao contrário de uma maior prudência nos anos que precederam suas inflexões demográficas, o
que ocorreu foi uma euforia maníaca fomentada por ganância, apetite por risco e imediatismo. Essas crises
demográficas foram precedidas por uma expansão insustentável do endividamento, da especulação imobiliária e
de bolhas financeiras. Será que os alertas demográficos foram de fato ignorados? Ou será que, quase como um
cartel, o setor financeiro se lançou a um oportunismo derradeiro, apostando que um socorro governamental
seria impossível de lhes ser negado?
Os japoneses são famosos pela sua determinação, paciência e tradição de honra. Mesmo esses invejáveis traços
culturais de um país que se reergueu rapidamente depois de duas catástrofes nucleares em 1945 não bastaram
para evitar as sérias consequências de sua transformação demográfica. No caso deles ainda poderia se dizer
que não havia precedentes que os alertassem.
Os EUA são reconhecidos pelas suas famosas universidades e seus influentes economistas. Dali surgiu uma
profusão de estudos, teses, artigos, sugestões e críticas se debruçando sobre o precedente japonês. Mesmo
assim, nem toda a tradição acadêmica e pragmática da econômica norte-americana foi capaz de prevenir sua
própria crise de gatilho demográfico.
Berço da civilização ocidental, da filosofia grega e do direito romano, a Europa, com toda sua história e
cultura, também se mostrou pouco alerta para a prevenção da crise em que se encontra. (A Alemanha parece
estar mais preparada e logo será colocada à prova por sua demografia, só então poderemos avaliar de fato sua
desenvoltura.)
Se os exemplos acima, envolvendo países mais ricos tanto na economia como nas tradições culturais, não nos
oferecem bom augúrio, pergunto-me então: embasados na
tradicional cultura brasileira, como iremos
nos preparar para minimizar um choque econômico semelhante ou possivelmente pior? Arrepio-me só de imaginar!
Se acreditarmos que o ignóbil
jeitinho brasileiro nos possibilitará
driblá-la no último
minuto, perdoem-me a falta de fé em nossa
famosa tradição cultural, mas...
ESTAREMOS
LASCADOS!!