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Deflação, Inflação e Monetização das Dívidas
Sebastião Buck Tocalino, 22 de outubro de 2012

Para os brasileiros que ainda se lembram bem da inflação alta culminando no absurdo da hiperinflação, falar em deflação parece até algo surreal ou fantasioso. Mas, de fato, ela era bastante frequente nos EUA até meados da década de 1950. O gráfico abaixo mostra que os períodos de deflação eram tão comuns quanto os de inflação:


Naquela época, o dinheiro era lastreado em ouro. A quantidade de moeda em circulação, dentro de certos parâmetros, estava relacionada à quantidade do metal precioso nas reservas nacionais. Imprimir mais dinheiro, em geral, dependia de um aumento no ouro acumulado.

Depois da Segunda Guerra Mundial, o lastro do dinheiro nesse metal foi sendo minado até que, em 1971, Nixon abandonou de vez o padrão ouro da moeda. Daí em diante, a moeda fiduciária permitiria maior expansão monetária. A deflação virava coisa do passado. Inédito na história norte-americana, o longo período de inflação que já vinha desde a década de 1950, ganhou força entre 1972-1982 e, depois de atenuar-se, persistiu até dezembro de 2008, quando a crise do subprime já havia estourado. Depois de 52 anos, a deflação voltava a dar as caras! Mais que depressa, o Federal Reserve lançou-se à "impressão" de dinheiro (quantitative easing - QE) no intuito de estimular e reinflacionar a economia. Só não conseguiu desvalorizar o dólar devido ao pânico sincronizado em quase todos os países, fazendo com que muita gente preferisse comprar dólares, uma vez que a percepção de risco era menor para os EUA (safe haven). Essa demanda pela moeda gerou o efeito inverso: uma valorização do dólar.


Mas se a deflação significa um aumento do poder aquisitivo da moeda, qual o problema?

Realmente, para quem tem uma boa reserva em dinheiro, a deflação é bastante interessante. Porém, a deflação tende a adiar o consumo (a espera de preços mais baratos), estagnar o investimento (o poder aquisitivo do dinheiro parado aumenta por si só com o tempo), reduzir a produção (evitando estoques encalhados), aumentar o desemprego e baixar o valor de venda dos bens (ativos). E para quem tem dívidas a pagar (passivos), os juros reais aumentam. Juros reais são os juros nominais (contratados no financiamento) menos a taxa de inflação. Quando a inflação é negativa (deflação) essa taxa passa a ser somada aos juros nominais, e não subtraída, aumentando o ônus da dívida.

Imagine que você financiou um automóvel ou um imóvel e segue pagando as prestações, até se dar conta de que o valor do bem caiu abaixo do montante que você ainda deve ao banco ou à financeira. As pessoas, por um senso moral, geralmente se esforçam por seguir pagando enquanto puderem. Porém, algumas pessoas físicas e muitas pessoas jurídicas (que costumam encarar mais pragmaticamente suas finanças) vão concluir que é mais interessante entregar o bem e não insistir mais em tal dreno financeiro. A deflação gera calotes. Esses calotes transferem o ônus das pessoas e empresas para os bancos e financeiras. Boa razão para o pavor que os bancos têm à deflação.

O governo também teme a deflação. Em primeiro lugar porque também tem dívidas a saldar e, como vimos, a deflação aumenta os juros reais a serem pagos. Em séculos passados, muitos reis já recorriam à desvalorização do dinheiro (diminuindo a quantidade do metal precioso usado na cunhagem de cada moeda e cunhando uma maior quantidade delas) para facilitar o pagamento de suas dívidas. A "monetização da dívida" nada mais é que um calote técnico (disfarçado) evitando um desagradável anúncio do calote de fato. Desvalorização e inflação caminham lado a lado, eliminando parte da dívida (apropriando-se de parte do dinheiro do credor) e diminuindo os juros reais.

Além disso, o governo tem sua receita baseada na arrecadação de impostos. A deflação, ao causar contrações na produção industrial, no comércio e em toda a sorte de negócios, faz com que a arrecadação de impostos diminua, solapando a receita do governo. E não é possível -atualmente- cobrar impostos de alguém só pelo fato do poder aquisitivo do seu dinheiro ter aumentado com a deflação. O imposto sobre o ganho de capital é cobrado sobre a diferença nominal entre o valor final e o valor inicial, sempre que o resultado for positivo (lucro).

Imagine dois cenários:

Para o governo, que depende de impostos, a inflação é mais conveniente que a deflação (mas o ideal para todos é que a inflação seja pequena, sem descontrole).

No que diz respeito ás taxas de câmbio e ao comércio internacional, outra vantagem aparente estaria numa maior depreciação do dólar perante as moedas estrangeiras. Isso iria baratear os produtos norte-americanos no comércio internacional, estimulando a produção para exportação. Exemplo: entre dois produtos semelhantes de dois países diferentes, aquele cuja moeda for mais desvalorizada se torna o mais barato para um terceiro país que deseje importar. Já as importações feitas pelos EUA se tornariam mais caras. E, sendo os EUA maiores importadores do que exportadores, o país passaria a "importar" inflação. Mais uma forma de combater a deflação.

Por esse prisma, fica fácil entender os esforços do Banco Central norte-americano, "imprimindo" dinheiro na tentativa de desvalorizar o dólar e reinflacionar a própria economia. Contudo, alguns fatores minam a eficiência do Federal Reserve, dentre eles estão: o consumo mais moderado de uma população de idade mais avançada; a desalavancagem (eliminação de dívidas e financiamentos) das famílias e empresas domésticas; a percepção dos EUA como safe haven (porto seguro para o capital internacional diante da crise global) causando maior demanda de dólares; a insegurança gerada por políticas paliativas e apenas provisórias ou descoordenadas; assim como esforços semelhantes de expansão monetária por parte de outros países (como Japão, Inglaterra, zona do Euro e até Brasil - derrubando juros e intervindo no câmbio através da compra de dólares).

O aumento na oferta de dinheiro pelo banco central, de fato, só estimula a economia se este trocar de mãos através do consumo. Não basta gasolina para o carro andar, o motor tem que girar!

O estoque de dinheiro prontamente acessível para o consumo dobrou em 4 anos (de setembro/2008 a setembro/2012)! Ele é representado por M1. M1 é o dinheiro fora das reservas do banco central e do tesouro nacional, calculado pelo total de dinheiro em espécie, cheques de viagens, depósitos a ordem e saldos em conta corrente.

Nesse meio tempo, a velocidade do dinheiro caiu bruscamente - baixou de 10,4 para 7.

Velocidade é a taxa de rotatividade, ou quantidade de vezes que cada dólar troca de mãos (servindo ao consumo de bens e serviços).


O PIB (produto interno bruto) nominal é igual à multiplicação do estoque de dinheiro pela velocidade do mesmo. Se a velocidade do dinheiro diminuir muito (menos consumo e investimento), mesmo com o Banco Central expandindo o estoque de dinheiro, a economia pode continuar estagnada ou até contrair-se.

Multiplicando-se o estoque de dinheiro pela sua velocidade, o produto é o PIB nominal (gráfico abaixo à esquerda).
O gráfico abaixo mostra o desempenho histórico do Produto Interno Bruto (PIB) Nominal (gráfico abaixo à dreita).


Em termos reais (descontando-se a inflação) o resultado verificado em 2012 volta a repetir o resultado de 2007. A economia norte-americana não conseguiu avançar! (gráfico abaixo à esquerda).
Produto Interno Bruto Real: mesmo com todo o dinheiro já criado pelo FED (um "tsunami monetário"), o resultado de 2012 não foi muito além daquele de 2007 (gráfico abaixo à dreita).


A suspeita é de que, ainda por um bom tempo, o FED continue criando muito dinheiro na tentativa de evitar a deflação e uma recessão econômica mais séria. Se isso ainda não mostra grande resultado no crescimento real da economia, pelo menos o PIB Nominal vem respondendo, ou seja, alguma inflação está persistindo.

No Japão, medidas de expansão monetária têm sido inúteis para reinflacionar a economia já há duas décadas. Com todo o dinheiro criado pelo Banco Central do Japão, anedota ou não, dizem que os únicos bens duráveis que dispararam em vendas foram cofres! Também em Hong Kong, depois da crise asiática de 1997, a deflação se impôs durante vários anos -sem trégua!- até 2004.




Japão e Hong Kong, apesar de menores que os EUA, também eram economias dinâmicas e de grande vulto internacional.

Embora uns acreditem numa inevitável deflação atingindo países ocidentais, outros se inquietam com o temor de que, uma vez forçada a inflação, seria fácil ela fugir ao controle dos bancos centrais. Essa história, ao contrário da deflação, nós brasileiros já conhecemos muito bem!

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